Em decorrência dos últimos acontecimentos, principalmente
a greve de policiais no ES, resolvi discorrer um pouco sobre a questão da
desmilitarização da polícia militar e seus reflexos para a sociedade. Todavia,
antes de mais nada, é preciso analisar alguns aspectos provenientes da forma
como o polícia militar se estrutura, que são vistos como resquícios desde a 1ª
Rebública, e que se intensificaram com a Ditadura Militar, nos influenciando,
direta ou indiretamente, até hoje.
O positivismo é um fator extremamente importante a
ser abordado e que muitas vezes é deixado de lado nos debates a respeito da
formação política e social brasileira. É
nítida a influência que o país sofre até hoje pelo positivismo, basta apenas
olharmos para a nossa bandeira que a frase marco dele estará estampada lá, como
se fosse algo a se orgulhar. Mas a verdade é que muitas pessoas escutam a
famosa frase “Ordem e Pogresso” sem ter a menor ideia do peso que ela traz
consigo. É evidente a influência sofrida pela sociedade brasileira pelo
positivismo, e o fato de que foi ainda mais enraizada e propagada com a
Ditadura. Com relação as influências sofridas pela estruturação da Polícia
Militar, questões essenciais como a manutenção da ordem, a necessidade de uma
hierarquia forte, a ideia de progresso como veículo de manipulação e obediência
da população ao Estado, visto agora com a famosa frase do presidente Michel
Temer “Não pense na crise, TRABALHE!”, e
a noção do Estado como algo sobreposto ao povo são características marcante da vertente
positivista de August Comte, e que encontra-se demasiadamente atrelada à
formação desses profissionais. Esses fatores positivistas foram impostos aos
policiais de maneira aida mais intríseca com o regime militar.
A Ditadura Militar foi um período conturbado na história
brasileira, e que ocorreu de 1964 à 1985. Anteriormente a Ditadura, existiam as polícias
Civil e Militar, sendo que a primeira também executava um papel ostensivo. Foi através
do regime que os encargos da Polícia Civil foram se dissipando e a PM tomou
para si toda a parte ostensiva. Ademais, outro elemento deveras importante a
ser mencionado é a questão da doutrina da Segurança Nacional, cuja função é
sinalizar que a polícia deve tratar a situação, como se estivesse lidando com
um inimigo, e cujo objetivo principal é a sua erradicação. Esse fator sinaliza
um resquício forte do regime militar. Além disso, a mentalidade autoritária
vigente na Polícia Militar talvez seja considerada uma das heranças mais concretas
desse período, e que até hoje é bastante forte entre eles.
Outrossim, é essencial destacar que, no regime do
general João Baptista Figueiredo, houve a criação, de responsabilidade dos
próprios militares, de uma lei aprovada no Congresso que beneficia os
torturadores. Outro ponto que deve ser sinalizado é que o Brasil foi o único
país sul-americano em que, ao fim de um ditadura, não houve um julgamento, e
muito menos os militares se responsabilizaram pelos seus atos, acarretando
desta maneira, uma noção aguda de impunidade, característica marcante da
Polícia Militar atualmente. Segundo a autora Nashla Dahás, em seu Dossiê
1985 “Trinta anos depois a tortura é um “problema crônico” em delegacias e
penitenciárias brasileiras, e aumenta o número de homicídios cometidos pela
polícia (...)”. Sem dúvida, a estruturação da Polícia Militar é o resquício da
ditadura que possui maior visibilidade na mídia atualmente, tendo em vista que
a PM não tem esse título por acaso. Sem fundamento é militar e seu objetivo
mais comum é o de operar como uma corporação de reserva das Forças Armadas,
para agir no interior do país em situações de guerra ou conflito. Isso implica
no fato de que a sua formação histórica é divergente dos agentes civis, assim
como seu código penal e seus títulos de hierarquia. Ademais, o fato da PM está
subordinada à Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM) – que é um órgão
do Exército, criada em 1967, em pleno regime militar, e presidida pela
Constituição de 1988 – e caso ocorra uma
ocorrência com um policial, ele será submetido, além de uma justiça civil, a
uma Justiça Militar e, se preso, é direcionado a presídios especiais.
A militarização da polícia militar tinha como
objetivo combater a resistência à ditadura. No entanto, mesmo ao final do
regime, a PM continua exercendo tal função, e suas práticas e posturas
características do Estado de exceção permanencem as mesmas, mesmo não
condizendo com o Estado democrático no qual vivemos atualmente. Outrossim, uma
das principais críticas feitas à militarização da PM é o treinamento ao qual os
políciais são sujeitados. Eles são treinados para combater o inimigo, e não
para atuar com a população. Todavia, mesmo que seu treinamento seja voltado
para o lado ostensivo, eles atuam de fato, com os civis, e isso pode acarretar
em demasiados empecilhos, por conta desse treinamento que não condiz com a
realidade dos policiais. Logo, a preparação da PM se mostra ineficaz, pois a
polícia deve preservar os direitos dos demais cidadãos, bem como o policial
deveria ser julgado como um cidadão comum, ao invés de ser sentenciado por uma Justiça
Militar.
A partir de todos os elementos supramencionados, é
visível a situação no qual a PM se encontra. Uma entidade que deveria
resguardar os cidadãos e proporcionar a segurança, acaba por não conseguir
alcançar seus objetivos por completo. Portanto, o modelo de segurança pública
atual, do qual a Polícia Militar não só é integrante como também possui papel fundamental,
está basicamente quebrado. A cada dia nota-se mais o aumento da violência e as
polícias – tanto a PM quanto a polícia civíl – não estão conseguindo manter a
segurança. É preciso ter em mente a questão da desmilitarização como uma
possível opção de solucionar tal problema. Seu objetivo é reformar, ou até
mesmo criar uma nova instituição, que seja capacitada à suportar tal violência
e que ao mesmo tempo consiga dialogar com as pessoas. A cultura da militarização
da PM é um empecilho para a democracia, uma vez que carrega junto a si, a ideia
da polícia estar lidandao a todo tempo com um inimigo, como se estivesse
constantemente em guerra. A desmilitarização da PM seria um processo longo e
trabalhoso, será necessária algumas reformas estruturais com a finalidade de auxiliar a polícia para a
defesa da sociedade e não do Estado. Deste modo, a questão de desmilitarização
fundamenta-se no desmantelamento da estrutura militar da PM, tanto no que se
refere à subordinação ao exército, como à sua estrutura interna. Ademais será
necessário também que ocorra uma mudança da Constituição, por meio de uma
Emenda, de tal forma que as polícias Militar e Civil integrem um único grupo
policial, e que todos tenham uma formação civil. #Space
A desmilitarização da PM e os resquícios da Ditadura
Reviewed by Vinicius Gallier
on
fevereiro 17, 2017
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